Palácio da Memória

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Simônides era um eminente filósofo e poeta da Grécia antiga. Assim como nós, nosso querido “Simô” – como era chamado pelos íntimos – também precisava de um dinheirinho e ganhava a vida criando discursos e recitando poesias em eventos da alta sociedade grega. Um dia, de bobeira em casa, entre a escrita de uma poesia lírica e outra, Simônides recebeu um misterioso “pombo correio” (“zapzap” da época) enviado por Escopas – um renomado nobre grego. A mensagem (que na verdade era um convite) dizia mais ou menos assim:

Caro Simônides, no próximo sábado irei fazer um banquete em meu palácio para comemorar minhas conquistas e gostaria muito de contar com sua ilustre presença. Favor preparar aquele poema esperto que só você sabe fazer e venha recitá-lo para mim (já vai fazendo um gargarejo diário com água, sal e limão para a voz não falhar no dia da festa). Se puder trazer um pouquinho de carvão para manter o fogo da churrasqueira acesa eu agradeço, mas o importante mesmo é terminar a poesia. Surpreenda-me!

E lá se foi nosso amigo Simô preparar a poesia inédita para esse grande evento! Enquanto isso, sua esposa – cansada de só ficar ouvindo as fofocas das vizinhas – resolveu assistir ao “Big Brother” da época: o imperdível duelo de gladiadores na arena central da cidade. Sabe como é, besteirinha e tal, não estava fazendo nada mesmo. Além disso, é sempre bom ver sangue jorrar, não é mesmo? Não se assustem, esse era o “UFC” daquele tempo. Só estou narrando os fatos.

Só sei que no dia do banquete a poesia estava pronta. Impecável. Esplêndida. Simônides a recitou com maestria perante o anfitrião do palácio e todos os convidados ficaram impressionados com tamanha eloquência e sapiência. Todavia, quem tem namorada, noiva ou esposa sabe bem como as coisas funcionam: ir a um banquete desses sem convidar nossas digníssimas primeiras-damas é confusão na certa. E não é que foi justamente isso que o nosso amigo poeta fez? Pobre Simô…

Quando estava prestes a morder aquela costelinha suculenta de boi, que só encontramos em banquetes desse tipo, nosso nobre poeta escutou um chamamento desanimador:

“Ô Simônides, tem uma mulher ali fora gritando seu nome! Parece que a coisa não está muito boa para o seu lado não! É melhor você averiguar a situação.”

Simônides correu para fora do palácio a fim de saber quem, a essa altura do campeonato, poderia atrapalhar sua “boquinha livre”. Quando saiu do palácio, encontrou sua amada esposa fazendo o maior “barraco” no meio da rua. Carregava consigo um daqueles rolos de preparar massas tamanho “GG” e bradou em alto tom:

“A casa caiu, Sr. Simônides! Eu achando que você estava em casa trabalhando, cuidando das crianças e regando minhas plantas, mas está aqui se divertindo, comendo à vontade, sem ter – ao menos – me convidado! Ahhh Simônidesss! Queeee óóódiiioooo!!! Aguarde-me quando chegarmos a casa! O que é seu está guardado! E vê se para de roer essa costela de boi na minha frente! Há anos não escreve uma cartinha de amor para mim, mas quando é para os outros (…)”.

Não sei se foi a Lei de Murphy ou praga de esposa furiosa, mas o que sei é que depois dessa confusão toda, a casa, ou melhor, o teto do palácio literalmente caiu, desabou, matando todos os que estavam dentro dele. A surra que o Simônides levará ficou minúscula perto do que teria ocorrido se ele ainda estivesse dentro do palácio.

Quando as autoridades, parentes e curiosos (não é de hoje que eles existem) chegaram para tentar identificar os corpos encontrados nos escombros, nada conseguiram. Estavam todos irreconhecíveis. Por ter sobrevivido ao desastre e por se lembrar onde cada um dos convidados estava sentado, Simônides ajudou a identificar todos as pessoas mortas no acidente. Uma por uma foi sendo reconhecida.

Após essa experiência, Simônides desenvolveu o primeiro sistema mnemônico com o uso de espaços físicos (aplica-se a espaços imaginários também). Trata-se da técnica conhecida por Palácio da Memória, Método de Cícero (grande orador romano e praticante dessa técnica), Método de Loci ou técnica da Sala Romana. Se você sonha algum dia em se tornar um verdadeiro Atleta da Memória e participar de campeonatos de memorização, então essa é a técnica que você deverá dominar! Todos os competidores, sem exceção, utilizam o Palácio da Memória.

(Só um comentário do guerreiro Akilez: esse Simônides era um gênio mesmo! Quase morreu no acidente, quase destruiu seu casamento, quase perde um dente roendo o osso da costelinha assada e ainda assim teve frieza, concentração e calma para identificar pessoas que até poucos minutos antes estavam confraternizando com ele. E a gente aqui reclamando que não temos concentração para estudar, que “deu branco”, que ficamos “nervosos(as) na hora da prova!”)

Funcionamento

O Palácio da Memória consiste na utilização de um espaço físico real (a sala da sua casa, por exemplo) ou imaginária (criado artificialmente) em que cada objeto (porta, sofá, mesa, cadeira, tapete, lustre, TV, etc.) desse espaço (sala) é utilizado como um recipiente para inserir a informação a ser memorizada. Depois disso, basta passear mentalmente por esses itens e ir recuperando cada uma das informações previamente inseridas. Essa técnica pode ser utilizada em tudo: desde memorização dos itens a serem comprados em um supermercado, até a memorização de discursos e textos longos.

Primeiro Passo

O primeiro passo para praticar essa técnica é criar seus próprios Palácios da Memória. Eu normalmente utilizo a configuração dos móveis da minha casa, da casa de parentes, da casa de amigos ou do próprio trabalho. O importante é que seja um local conhecido por você. É bom ressaltar que a quantidade importa. Quanto mais locais você possuir na sua mente, mais informações poderão ser armazenadas. Os participantes de compeonatos de memorização têm normalmente milhares (sim, eu escrevi milhares) de locais para guardar informações. No nosso caso (concurseiros), não precisaremos disso tudo. Eu recomendaria cada um ter pelo menos uns cem (100) locais para guardar informações que realmente precisamos memorizar para sermos aprovados em concursos públicos. O restante a gente coloca em Mapas Mentais.

Ah… antes que me perguntem, já aviso logo: a galera da memorização reutiliza os Palácios da Memória. Eu também reutilizo, mas levei um bom tempo para dominar essa prática (não é tão fácil como parece). Então, para você que está começando a praticar essa técnica, fica a dica: não reutilize seus Palácios da Memória, por enquanto. Minha sugestão é que você evolua a técnica e somente depois comece a fazer suas próprias adaptações. Sempre focando naquilo que funciona para você!

Segundo Passo

O segundo passo é definir a sequência lógica dos objetos da sua sala e memorizá-los previamente. Exemplo: o primeiro item é a porta, o segundo é o sofá, o terceiro é o tapete, o quarto é a mesa de centro, o quinto é a TV, e por aí vai. Quanto mais lugares você conseguir definir e memorizar previamente, melhor. Lembrando que essa memorização é praticamente automática, uma vez que você conhece sua casa como ninguém. O mais importante aqui é a sequência escolhida para caminhar pelos locais. Quando estiver fazendo essa escolha, imagine-se caminhando por cada um desses locais. É sempre bom seguir uma sequência lógica na escolha desses objetos. Algo do tipo “sentido horário” ou “sentido anti-horário”, por exemplo.

Terceiro Passo

O terceiro passo é pegar mentalmente os itens a serem memorizados e colocá-los em cada um desses recipientes previamente conhecidos por você. Essa inserção é feita com o uso de técnicas mnemônicas, ou seja, não basta apenas colocar um objeto no recipiente e deixá-lo mentalmente lá. É preciso utilizar uma associação mnemônica divertida, diferente, inusitada, etc., entre a informação a ser memorizada e o recipiente.

Para facilitar essa explicação, vejamos um exemplo prático. Iremos memorizar as dez palavras apresentadas no post sobre Memorização Básica de Números (Ah não, Akilez! A lista do pato de novo!!! Não aguento mais a lista do pato!). Sim, a lista do “pato” de novo! (Só estou cumprindo ordens do meu diretor, o Agamenon). Eu insisto que você tenha essa base (ou outra qualquer) na cabeça, pois fará muita diferença no seu desempenho estudantil.

Recapitulando as palavras:

  1. Vela;
  2. Cisne;
  3. Coração;
  4. Barco à Vela;
  5. Capitão Gancho;
  6. Cereja;
  7. Vara de Pescar;
  8. Bicicleta;
  9. Pirulito.

Utilizaremos como Palácio da Memória a planta desta casa:

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Temos, portanto, os seguintes recipientes para armazenarmos os itens da lista do “pato” (criei vinte lugares para vocês reaproveitarem em outras memorizações, mas neste exemplo utilizaremos apenas nove):

  1. Porta de Entrada;
  2. Porta do Banheiro;
  3. Pia do Banheiro;
  4. Vaso Sanitário;
  5. Banheira;
  6. Quadro na Parede do Corredor;
  7. Televisão do Quarto;
  8. Quadro na Parede do Quarto;
  9. Abajur Esquerdo;
  10. Cama;
  11. Abajur Direito;
  12. Mesinha;
  13. Televisão da Sala;
  14. Planta;
  15. Porta da Varanda;
  16. Abajur;
  17. Sofá;
  18. Quadro;
  19. Pia;
  20. Mesa de Centro.

Agora é só fazermos as devidas associações (irei fazer de maneira bem rápida, só para você entender como funciona a técnica):

  1. Porta de Entrada: imagine uma vela gigante, em pé, na entrada da porta. Essa vela é como se fosse um guarda da entrada do local. Imagine que a chama da vela é o “cabelo” dela e que a vela fica girando o “cabelão” e queimando a porta toda. Você percebe que a porta está toda chamuscada;
  2. Porta do Banheiro: imagine que na maçaneta da porta do banheiro exista um cisne. Esse cisne fica girando em torno da maçaneta como se fosse aqueles brinquedos de parques de diversão. Você fica sem jeito em pegar na maçaneta, para abrir a porta, mas não tem jeito, você terá que abri-la e, consequentemente, levará algumas bicadas;
  3. Pia do Banheiro: você abre a torneira da pia e se assusta ao ver saindo dela um coração gigante e pulsante;
  4. Vaso Sanitário: ao levantar a tampa do assento sanitário você percebe que há um barco à vela navegando nessas águas não tão calmas;
  5. Banheira: quando você olha para a banheira, nota o Capitão Gancho tomando banho nela, coberto de espuma e estourando, com seu gancho, as bolhas de sabão que vão surgindo;
  6. Quadro na Parede do Corredor: você se vira para olhar o que há nesse quadro e nota uma cereja muito realista pintada nele. O quadro é tão “vivo” que você aperta essa cereja, para ver se ela é de verdade, e ela meio que “explode” – sujando tudo;
  7. Televisão do Quarto: você percebe que a antena da TV é na verdade uma vara de pescar;
  8. Quadro na Parede do Quarto: você percebe que o quadro está um pouco torto. Você tenta ajeitá-lo, mas não consegue: o quadro é muito pesado. Quando você puxa o quadro, percebe que atrás dele havia uma bicicleta. Essa bike cai no chão e se estraçalha toda;
  9. Abajur Esquerdo: nesse abajur você percebe algo estranho: a lâmpada é na verdade um pirulito (se parece muito com o pirulito do Quico, do Chaves). O pirulito fica girando e emitindo diversas luzes coloridas.

Para recuperar a informação, basta ir caminhando por esse caminho e ir se perguntando: “O que eu encontrei na porta da minha casa?“, “O que eu encontrei na banheira da minha casa?“, “A antena da TV da minha casa era feita de quê?“, etc. Você pode começar andando pela porta e ir de recipiente em recipiente recuperando informações, ou vir no sentido contrário: do abajur para a porta. É dessa forma que as pessoas que se apresentam como “mágicos da memória” fazem quando dizem: “agora irei falar do item 9 ao 1” ou “fale qualquer número de 1 a 9 que eu direi o que tem lá“, pois previamente ele já sabe que a segunda posição, por exemplo, é a porta do banheiro e nela tem um cisne pendurado. Moleza, não é mesmo?

Conclusão

Essa foi a dica de hoje às concurseiras e concurseiros troianos! Espero que tenham gostado e entendido um pouquinho sobre essa técnica fantástica de memorização! Caso apareçam dúvidas, fiquem à vontade nos comentários ou me enviem um e-mail. Tenho recebido diversos e-mails dos colegas concurseiros e isso tem me deixado muito feliz. Obrigado a todos os que apoiam este pequeno projeto! Vocês são demais!

Se o assunto for memorização, saiba que o Palácio da Memória é que há de mais avançado nesse meio! Tudo isso, graças ao nosso amigo Simônides. Falando nele, quero deixar claro que a história que eu contei sobre ele foi adaptada. A história original é um pouquinho diferente, mas nem tanto.

De qualquer forma, quero deixar esta sugestão a todos vocês:

“Pratiquem, brinquem, errem, testem, explorem e melhorem essas técnicas! Sua vida ficará muito mais fácil! É tudo nosso!” (by Akilez)

Bons estudos!